domingo, 7 de maio de 2017

Prateleira D

Gosto de uma frase de Jane Austen que diz: "Devo ater-me a meu próprio estilo e seguir meu próprio caminho. E apesar de eu poder nunca mais ter sucesso deste modo, estou convencida de que falharia totalmente de qualquer outro". Sei o que pensam sobre mim, é claro que sorriem na minha presença e dizem ser meus amigos, mas até amigos julgam. Sam foi meu primeiro, mas você não acha isso, não é mesmo? Ouviu as coisas que disseram sobre mim e tirou conclusões, mas nunca olhou em meus olhos e tentou decifrar minha alma. 

Ainda lembro do dia que o vi... estava no corredor, cercada de amigos, mas sentia-me sozinha. Eu olho para vocês. Tenho certeza que falam de nós, porque já ouvi falarem de vocês e não, não eram coisas agradáveis. Já havia visto Sam outras vezes pela escola, mas ele nunca me olhara nos olhos, sua timidez não o permitia fazê-lo. Ele parece ser um cara legal, assim como você. Eu já havia previsto que teria de dar o primeiro passo. 

Comecei a cumprimentá-lo no corredor, ele apenas corava e saia em disparada em sua direção. Não posso dizer que sua timidez não era encantadora, mas chega um determinado ponto que cansamos de tentar, então eu parei. Eu parei de tentar chegar até Sam, não seria a primeira nem última vez que me sentiria invisível. Sei que vocês nunca tiveram más intenções, mas talvez o problema fosse eu. Me pergunto de vez em quando como seriam as nossas vidas se nenhum de nós tivesse ido aquele dia para a biblioteca, se eu não tivesse procurado aquele livro específico, se eu não tivesse falado com você, se você não tivesse me convidado para sentar com vocês e se eu nunca tivesse falado com Sam aquele dia... Nós nunca teríamos nos conhecido, ele nunca teria me chamado pra sair e talvez tudo seria melhor... Para vocês, é claro. 

Eu lembro de entrar pela porta e vê-los em uma das mesas conversando. O dia estava ensolarado e eu estava louca para ir jogar basquete em algum lugar, mas precisava pegar um livro para aula de literatura. A... B... C... D! Estava no corredor com a grande letra "D" gravado em uma das prateleiras. Estava prestes a pegar o livro, quando alguém cuja voz nunca tivera a oportunidade de conhecer se dirigia a mim aos sussurros.

"Você também vai ter prova do livro?" Seus olhos castanhos me encaravam. 
"Sim, imaginei que não encontraria esse livro por aqui! Acredito que todos vão pegar algum resumo na internet ou sei lá, mas nós não"
"Nós não!" Disse engrossando a voz e fazendo uma pose engraçada. 
"Ah meu Deus! Você e seu amigo vão ler também, não é?"
"Não, nós viemos para devolver na verdade... E claro, pegar o próximo" Falsifico um sorriso." Se quiser sentar com a gente, ou sei lá." 

Sim, eu sei. Eu poderia ter ido embora e evitado tudo isso, mas eu quis ir até aquela mesa... Eu quis conhecer o Sam, eu quis te conhecer. Lá estava ele, lendo um gibi, como sempre. Seus cachos caiam sobre seus belos olhos verdes, eu puxei uma cadeira e você nos apresentou. Conversamos a tarde toda e sabe qual é a parte mais engraçada? Eu me lembro de cada palavra, cada olhar e expressão. É claro que ele queria dizer tudo pra mim, ele queria despejar tudo o que ele sentia, mas seu fino filtro de sanidade o continha. Vocês me acompanharam até a minha rua, eu não queria que fossem até a minha casa, na verdade, nem eu queria ir até lá. Eu lembro do que disse ao Sam antes de sair correndo rua adentro:

"Diga o que tem para dizer e faça o que tiver pra fazer. Não vai querer ficar a vida toda pensando em como teria sido se tivesse tomado uma atitude" 

É, ele tomou aquela atitude, mas isso nos trouxe ao dia de hoje. Aquele maravilhoso dia nos trouxe a esse momento terrível. Aqueles olhos não me olham com a mesma doçura e sei que parti seu coração, mas não há o que dizer a ele. Acabou, acabaram o tempo felizes e o que eu posso fazer? Eu posso ir embora, sair da frente dele cercada pela tristeza e vergonha do que fiz e nunca mais voltar a olhar em seus belos verdes olhos. Você diz que iremos superar tudo isso, mas eu não vou! Eu o abandonei, eu me abandonei. 


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